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SÓ CARNE?


Embora tenha quem goste de carne com osso, a maioria prefere carne sem osso. Pois é mais fácil de cozinhar, comer e deglutir. Acontece que o osso faz parte.

Recentemente, quando eu voltava da visita que fiz a um velho amigo no Estado do Ceará, e esperava o vôo que me levaria a São Luiz, Estado do Maranhão, onde eu visitaria alguns parentes, fiquei algumas horas no aeroporto de Fortaleza. Pois o voo era pela manhã, e eu havia chegado próximo da meia noite, vindo da cidade do Crato. Não convinha ir para hotel, já que não daria tempo para dormir e levantar logo depois, para ir para o aeroporto. Enquanto eu esperava amanhecer, sentou-se junto a mim uma senhora, com a qual eu puxei conversa. Não demorou muito para que eu soubesse que ela estava fugindo. Contou-me a tal senhora  cinquentona, que o seu marido septuagenário a levou para aquele Estado, mas que ela não se acostumou ali, razão porque ela estava voltando só, para o Estado de onde ela tinha vindo, o Rio de Janeiro.

Durante a conversa, ela me contou que era o seu segundo matrimônio. Que, do primeiro, ela tinha tido duas filhas, as quais já tinham as suas famílias, inclusive uma delas estava próximo de dar a luz. Também me contou que o seu marido, quando mais novo, havia sido empresário, mas que ele tinha se desfeito do negócio que possuía e resolveu vender a casa na qual moravam e se mudar com “malas e cuias” para o Estado de onde ele era originário, o Ceará. E que foi morar em um sítio, onde havia alguns animais. Também que naquele Estado viviam os seus parentes. Ela disse que ela não estava acostumada com aquela vida, razão porque ela estava voltando para o Rio.

Contou-me ainda que ela era muito grata a ele, pois ele havia dado conforto a ela e suas filhas, inclusive com muitas viagens. E que isso ela reconhecia, mas que aquela vida não era para ela. Ele, que já estava beirando os oitenta, tinha problemas de saúde e tomava diversos medicamentos diariamente, mas que ele não tinha mais intenção de voltar a morar no Estado de onde tinha mudado. Percebi que ela não estava se sentindo totalmente tranquila, já que ele dependia dela para a ministração dos fármacos dos quais dependia para levar uma vida melhor. Fiz-lhe ver que a sua atitude poderia precipitar o agravamento da saúde dele, devido ele não estar mais em condição de gerenciar a ingestão dos remédios que ele precisava tomar, o que poderia lhe encurtar a vida. Mas ela estava irredutível e não mostrou arrependimento da sua decisão de não mais voltar para viver com ele naquele lugar e situação.

É assim. Enquanto um parceiro pode fazer o que agrada ao outro, tudo bem. Mas, quando ele passa a depender daquele que lhe dedicou parte da sua vida como provedor ou mantenedor, inclusive das mordomias, não dá.

Comer a carne e ter que roer os ossos, por a carne faltar ou ter acabado, não é coisa que seja tolerado por todos. Dizer que é grato, mas não fazer nenhum sacrifício para mostrar gratidão, é dizer que ama só de palavras, e disso é do que o mundo está cheio.

Oriximiná-PA, 19/03/2016
Oli Prestes
Missionário
oliprest
Enviado por oliprest em 21/03/2016


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Imagem de cabeçalho: raneko/flickr